terça-feira, 5 de junho de 2007

Visita...


A casa finalmente estava aquecida. Depois de longo inverno e de muitas provações o calor estava novamente presente a casa. Um calor artificial, providenciado através do fogo, afinal o inverno ainda não tinha acabado, mas já deveria estar no fim. A porta que havia quebrado foi arrumada, de forma tosca é verdade, mas estava barrando o frio, a lareira que ficou apagada por muito tempo foi acesa, e finalmente o sótão estava quase em ordem. É difícil consertarmos as coisas que quebram em tempos difíceis. Ou não temos cabeça, ou não temos animo. Ainda mais pra coisas internas. Os amigos tentam nos ajudar, mas a nossa casa deve ser consertada com nossas próprias mãos.
Mas o frio lá fora persiste e o frio como todos sabem age de uma forma estranha nos seres humanos. Eu não sei, algo liberado pelo sistema nervoso que fecha os poros e abre o coração. Ficamos carentes. E uma pessoa carente é uma pessoa descontrolada. Pessoas descontroladas são perigosas. Pra si mesmas e para os outros. Principalmente para os outros.
E foi isso o que aconteceu. Uma visita, que não era, mas se tornou, afetada talvez pelo frio sofrendo a síndrome da carência que não se importa com os outros, decidiu entrar na casa. Em um momento de distração do morador ela entrou como pode, danificando a porta já consertada e derrubando as pilhas de caixas tão cuidadosamente empilhadas no sótão. A principio ele não ligou, pois parecia que o inverno finalmente acabara, mas escutando tudo o que ela falava ele se deu conta de que fora uma vitima do persistente inverno. A visita elogiou a casa quente e disse que durante a sua ausência tudo tinha ficado melhor naquele ambiente e que isso era inegável. A casa estava quente, aconchegante e arrumada, como estava quando ela havia entrado pela primeira vez. E que apesar de tudo, apesar da saudades de morar naquele lugar, ela preferia continuar onde estava. Uma decisão só dela, que por algum motivo ela achou que deveria contar.
E foi embora novamente.
E levou o calor.
E bagunçou mesmo sem intenção o sótão.
E quebrou novamente a porta.
E quase apagou a lareira.
O morador, já desanimado olha para o que sobrou de tudo o que tinha feito e percebe que algumas coisas não estavam a contento. A porta apesar de barrar as outras pessoas, não barrou a essa visita. O sótão estava com muitas coisas que deveriam ter sido jogadas fora e não empilhadas, mesmo que cuidadosamente. E o calor voltaria assim que ele concluísse as coisas que deveria fazer. Ao invés de se ajoelhar e reclamar da bagunça, dessa vez ele decidiu começar mais cedo o que tinha pra fazer. Quanto mais se lamentasse, mais fria estaria a casinha. E a lareira poderia apagar novamente.
Uma coisa boa dos longos invernos é essa.
Você acaba percebendo que suporta muito mais frio do que acreditava ser possível.
A foto é uma pintura de NELY AFFONSO RODEGHIERO entitulada Casa da Neve.

2 comentários:

Gleyciely MoraEs disse...

Não é a toa que eu me tornei sua fã nº 1.... Adorei o texto. Parabéns.

Dejeve Cetier disse...

Que o texto ta bom você já sabe o_o

Mas a gente precisa se lembrar sempre que algumas coisas na nossa vida acontecem para que possamos ver nossos erros (os quais lutamos para esconder dos outros e, mais que tudo, de nós mesmos), mudar e, mudando, nos tornamos pessoas novas e, ao perceber isso, há a possibilidade de novos horizontes que antes, impregnados de todo o hálito bolorento do que era velho e feio, estavam a nós fadados.
Ela veio como um tufão, trouxe o frio e bagunçou sua velha casinha novamente. Mas fê-lo ver mágoas e rancores escondidas sobre pilhas de mágoas e rancores (coisas de velho) que estavam ocupando espaço onde poderia haver riso e felicidade.

Ventos de mudança...