sábado, 30 de junho de 2007

Um dia qualquer...

São seis da manhã. O relógio desperta acordando Paulo que, mesmo antes de acordar, no reflexo envia seu braço direito ainda sem muito controle para procurar o mecanismo que fará aquele pequeno demônio metálico parar de gritar, deixando-o dormir por mais cinco minutos e, após algumas tateadas ele consegue pressionar o botão. Ah se não fosse pela necessidade diária de usá-lo. Esse seria o fim do pequeno e estridente relógio. Ele acorda, escova os dentes, mastiga alguma coisa na cozinha e ainda terminando de se vestir, sai de casa atrasado, só pra variar. Culpa dos cinco minutos de sono a mais que ele se concede.
Paulo tem um problema e sabe disso. Ele simplesmente não consegue dormir bem à noite. Ele até chega em casa com sono, mas quando se deita, desperta. Isso traz como conseqüências, além da moleza que ele sente na parte da manhã, uma enorme fonte de raiva todos os dias. Ele odeia acordar cedo. É mais forte que ele.
Quando sai de manhã, por onde ele passa as plantas murcham, os passarinhos nos galhos de arvores próximas morrem e nada mais nasce onde ele pisa. Ele não toma leite, pois o liquido azeda em sua boca e o gosto permanece por boa parte do dia. Ele não consegue, ou talvez não queira falar, até que passe essa raiva. O que demora para acontecer.
No trânsito ele mantém a cara fechada e, apesar de não ter pressa nenhuma para chegar ao seu trabalho, fica com vontade de passar por cima dos carros mais lentos e dos motoristas menos habilidosos.
Ao chegar à empresa, ele bate o cartão como em um ritual diário e se dirige imediatamente para a copa. A xícara com o nome dele (uma das maiores) está lavada e virada de cabeça para baixo na travessa. O sistema de xícaras foi implantado por algum gerente com a cabeça voltada para a economia e ecologia, deixando assim a empresa de utilizar os copinhos de plástico, que ficariam apodrecendo por décadas em algum lixão, depois dos poucos segundos de utilização. Seja como for, ele aprova a idéia. A natureza que se foda, mas a xícara é maior e cabe mais café. E ele não corre o risco de queimar os dedos.
Paulo enche a pequena vasilha com abas de café forte e quente e, o cheiro maravilhoso do liquido sagrado invade suas narinas, trazendo um pouco de conforto a uma manhã que promete ser irritante como todas as outras. Agora tudo o que ele tem que fazer é seguir até a sua mesa, sentar a sua bunda, que vem aumentando a cada ano, na cadeira, ligar o computador e passar alguns minutos agradáveis tomando o seu café quente.
Ele cruza com algumas pessoas no caminho e cumprimenta a todos com um cordial, mas seco e treinado “bom dia”. Os anos naquela empresa tinham de servir para alguma coisa, e ele considerava o fato de dizer "bom dia" numa manhã daquelas algo bom, só possível com muito treino. Ele sabe que não deve sorrir. Não naquele horário. Ele ainda se lembra da última vez que tentou forçar um sorriso logo de manhã. A dor tremenda que ele sentiu quando os músculos desavisados foram contraídos, levando-o praticamente a uma câimbra facial. Não. Ele não faria isso de novo sem pelo menos dez minutos de alongamento, dos músculos das bochechas.
Perdido em pensamentos, ele avista uma figura entrando no final do corredor e sabe que vai ter que cruzar com ele antes de chegar a sua baia. Não tivesse nesse momento carregando uma xícara do precioso liquido preto, que demorava muito pouco para acabar, e do qual só haveria uma garrafa térmica cheia novamente após o almoço, ele se jogaria com uma cambalhota, atrás de uma mesa qualquer e prendendo a respiração torceria pra que o companheiro aludido não o tivesse visto. Mas agora era tarde pra qualquer decisão desse tipo. Marcos já tinha lhe visto e um sorriso largo em seu rosto já mostrara isso. Marcos, o chato. E não um chato qualquer. Um do tipo pegajoso e carente. Que pode te alugar por muito tempo. A verdade seja dita, alguns cretinos na empresa até gostavam dele, sempre prestativo, mas não Paulo. E ele tinha sem nenhuma explicação uma atração por Paulo. Gostava de falar com ele. O que piorava muito aquela situação.
- Bom dia Paulo.- Ah, ele gostava de se mostrar feliz em vê-lo.- Tudo bem com você?
- Bom dia. Uhum. Tudo bem?
Ele percebeu na hora. Um momento de distração e pronto. Em menos de um segundo ele se condenou e pôs tudo a perder. Como uma pessoa treinada como ele podia fazer uma coisa dessas. Uma pergunta tão inocente e ele sabia o que isso desencadearia.
- Tudo bem. Pelo menos comigo. Mas a minha tia, lembra a que eu tinha falado ontem? Ela não melhorou ainda. Está em casa e a carne esponjosa ao redor da unha do pé continua criando pus. A dor deve ser terrível e disseram que exala um cheiro terrível. E ela ainda esta preocupada com o problema de acne do meu primo o Mauricio, que não melhora e...
Paulo olha para o café e tenta se mostrar desinteressado pelo assunto. Mas Marcos continua seguindo firme a narrativa dos fatos de sua família por parte de mãe, que mora no interior. A conversa continua por dolorosos minutos e Paulo se pega pedindo a Deus que faça parar com aquilo. Precisava de todo o seu autocontrole para não fazer uma besteira e jogar o café quente na cara do seu amigo. Não. Só haveria café de novo depois do almoço. Mesmo que ele corresse de novo para a copa, sabia que não encontraria mais nada por ali. E Marcos continuava, determinado a locução.
- ... eles até pagaram uma limpeza de pele em um consultório caro pra ele mas nada parece resolver o problema. Que coisa não? – Sem esperar resposta ele continua. – E ontem? Ontem quando sai daqui o pneu de meu carro estava murcho de novo. Não sei o que aconteceu, o borracheiro disse que não havia furos e que isso é pouco comum e...
E continua, por mais alguns intermináveis minutos. Paulo já está, quase implorando a Deus que o faça parar, seja lá como for. Uma dor de dente repentina ou um ataque fulminante de hemorróidas, qualquer coisa. Mas a boca dele não pára de se mexer, nem de emitir sons. Continua por mais alguns minutos e quando Paulo já estava pra cometer algum ato desesperado, alguém em alguma sala chama Marcos.
- Bom, depois eu passo na sua mesa pra continuarmos, ta? – Marcos diz a Paulo.
Ele emite algum ruído e segue para a sua mesa. Senta na cadeira, liga o computador e olha para a xícara. Nenhuma fumaça. Nada. O café esfriou. A vontade de Paulo era a de jogar a cabeça para trás e soltar um grito de ódio, caminhar até o lugar onde estaria Marcos e sacando uma arma descarregar nele. Mas ele não tem uma arma. Então só fecha os olhos, abaixa a cabeça apoiando-a nas duas mãos em cima da mesa e espera passar a raiva.
O dia segue, ele trabalha um pouco, pára pro almoço, pega um palito de dente e guarda-o no bolso, assiste o noticiário de esportes, volta para a mesa, toma finalmente um café quente, trabalha mais um pouco e fica tentando apressar o horário para ir embora, como se hipnotizar o relógio pregado na parede branca fosse resolver alguma coisa. Impressionante como aquele ponteiro grande que corria tão rapidamente na hora do almoço, ficava lento à tarde e principalmente naquele determinado horário. Talvez a empresa tivesse encomendado um relógio especial, essa era uma teoria. Chega enfim a hora de ir para casa. Ele desliga seu computador, se levanta da cadeira, desce as escadas, bate o cartão e ao atravessar o estacionamento ele pára, dá uma olhada em volta, vai até o carro de seu amigo Marcos, se ajoelha diante do pneu traseiro do lado do passageiro, retira do bolso o palito guardado na hora do almoço, desatarraxa a tampinha do bico e encaixa o palito, que empurra a válvula para baixo, liberando o ar aprisionado e fedido que estava dentro do pneu. Espera até o ultimo suspiro. Retira o palito e gira novamente sem pressa a tampa do bico. Levanta-se, olha para os lados de novo. Ótimo. Ninguém viu. Continua, então, caminhando em direção a seu carro. Mas alguma coisa mudou em sua fisionomia. Sim. Um sorriso brotou em seu rosto. Ele agora esta feliz.
Ah, que maravilha, ele pensa, como os dias que começam tão ruins podem de repente se tornar tão alegres.
A vida não é realmente uma benção?

Valeu Hoogle - ex-aluno, amigo e editor ;)
Valeu Olívia pela dica ;)

sábado, 23 de junho de 2007

Agradecimentos..

Muito bem. Agradeço a todos que freqüentam esse espaço constantemente. A todas as duas pessoas, incluindo a minha mãe (obrigado mãe). Referente aos comentários de amigos que eu obriguei a ler o blog na minha presença para que não pudessem me enganar: Sim. Os textos são todos meus e todos originais. As idéias também, exceto pelo ultimo artigo intitulado “Decisões...”, que foi baseado em um episódio do antigo seriado “Além da imaginação”, que assisti há, talvez, 15, 17 anos. Sinto saudades dessa série.
Mas coloquei esse artigo para dizer que todos os textos e personagens não passam de palavras mortas, até que alguém os leia. Quando alguém faz isso dá vida a eles. É justo dizer que nem todos gostariam disso, que o diga o pobre Theodore. Mas é assim que acontece.
Decidi escrever esse artigo também para que aqueles que lêem saibam que eu estou começando a esboçar um livro e que esses são testes de estilo, pois ainda sou iniciante e estou engatinhando. E nada mais justo que vocês que dão vida aos textos, possam complementá-los. Façam isso deixando um comentário quando tiverem um pouco de paciência para ler o que foi escrito. Eu óbivamente aceito tanto os comentários bajuladores do tipo “Você é o Deus dos textos desinteressantes”, quanto os de criticas construtivas que visam melhorar minha escrita, como: “Isso ficou uma bosta. Mesmo”. Eles me servem de referencia e me norteiam inclusive no gosto pelos estilos.
Agradeço novamente o interesse nas minhas mal escritas linhas e espero que gostem dos próximos.
E fiquem sempre a vontade.
Ah. E obrigado Rogério pelos sinônimos.
Ivan.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Decisões...

O relógio da parede da sala acabara de marcar oito horas da noite. Theodore Maílson, aproximadamente 45 anos, estava sozinho em casa na sala escura, sentado, meio jogado, no sofá, em frente à televisão. Ele tinha em uma das mãos uma lata de cerveja e na outra o controle remoto e tinha passado os últimos cinco minutos exercitando o dedo sobre os botões de troca de canal. Usava sua velha e preferida camiseta regata branca que apresentava manchas de suor nas áreas próximas as axilas e de cerveja na área que apertava a sua protuberância abdominal.
Lá fora o ar pesado que precede uma tempestade de verão dominava o ambiente e deixava tudo com ar mais melancólico, com a sensação de pequeneza que sentimos quando esse tipo de tempestade se aproxima.
Ele solta um suspiro que faz mais barulho do que devia mostrando um cara que estava francamente entediado com essa noite.
A campainha toca, ele encosta a cerveja na mesa de centro e se levanta, puxando a cueca com a mão esquerda de dentro da bunda, meio bravo por ter de deixar a confortável posição que tinha conseguido no sofá, xingando mentalmente a sua esposa por ter esquecido a porra das chaves em casa. Ele abre a porta com cara amarrada e encontra uma figura de quase dois metros de altura com chapéu preto como aqueles usados nos anos sessenta pelo gangsters, mas com as abas um pouco maiores, abaixado escondendo um pouco os olhos com uma mão segurando para que não voasse devido aos fortes ventos, um sobretudo preto com a parte de baixo balançando contra o vento protegendo boa parte do traje social que usava por baixo. O homem diante de Thed, como era chamado pelos mais íntimos, levanta devagar a aba do chapéu e o encara.
- Uma boa noite para o senhor.
- Para você também. – Responde Thed com um ar meio desconfiado.
- O senhor foi escolhido para receber um presente especial Sr. Theodore.
- Em primeiro lugar, eu não quero comprar nada. Nem bíblias, nem aspiradores de pó e nem produtos “mágicos”. Em segundo lugar eu quero saber como diabos sabe o meu nome?
- Como eu sei o seu nome é algo que não lhe importa Sr. Theodore. O que lhe importa é saber que eu lhe trago algo que pode mudar a sua vida. E eu não venho lhe vender nada.
Theo cansado de receber os insistentes vendedores na porta de sua casa, sabia que não adiantaria insistir com esse e resolve que dará aquela conversa por finalizada, puxando a porta para fechá-la. Antes da porta bater o pé do homem impede que a porta finalize o seu percurso e empurra-a para a posição de aberta de novo. O suposto vendedor agarra Theo pela gola, demonstrando ainda mais força do que aparentava. Sem mudar o tom que usara para lhe falar ele continua.
- Escute Sr. Theodore e escute bem o que tenho a lhe dizer. Esta pasta contém um mecanismo que só pode ser acionado pelo Senhor. Caso resolva apertar o botão que está aqui dentro eu volto para lhe trazer um milhão de dólares. O senhor entende o que estou lhe dizendo?
Theodore balança a cabeça com olhar assustado, aumentando ainda mais a mancha embaixo das axilas. O homem lhe solta devagar e ajeita a sua camiseta.
- Ótimo. Se apertar o botão eu lhe trago a quantia prometida. Mas antes de fazer isso o senhor precisa entender que existe um, porém. Quando fizer isso, alguém que o senhor não conhece morrerá.
- Espere, um pouco. – Diz Theodore se recompondo do susto e ajeitando ele mesmo a camisa agora um pouco mais larga em volta do pescoço. – Você esta me dizendo que se eu apertar a merda do botão que você diz que está aqui dentro dessa pasta, eu ganharei um milhão de dólares, e uma pessoa que eu não conheço morrerá?
- Exatamente. Isso é bom, vejo que o senhor entendeu perfeitamente. Mas somente o senhor pode apertar. Para mostrar que funcionou uma lâmpada vermelha se acenderá ao lado do botão. Você tem até o amanhecer para se decidir. Boa sorte em sua decisão Sr. Theodore.
O homem lhe entrega a pasta volta a abaixar o chapéu e sai em direção a calçada por onde se distancia a pé da casa. Ainda sem entender bem o que aconteceu Theo fecha a porta e volta para o sofá, onde se senta de uma vez e encosta a pasta na mesa de centro ao lado da lata de cerveja. Ele abre a pasta e verifica que em seu interior como o homem havia dito, se encontra um mecanismo, com um botão vermelho protegido por uma pequena estrutura de aço parecida com uma mini-gaiola ao lado de uma lâmpada vermelha. Ele estuda por pelo menos dez minutos o mecanismo e decide levantar a proteção metálica. Ela se desloca facilmente. Ele toca o botão. Tira a mão e decide por colocar de volta no lugar a pequena gaiola de aço.
Por mais uma hora ele fica olhando para o botão imaginando se isso não se trata de apenas uma pegadinha, dessas que fazem na televisão, onde deixam as pessoas em situação difícil para se divertir as suas custas. Ele calcula também em quanto tempo ele demoraria a levantar toda a grana que o homem prometera caso ele apertasse o maldito botão, e percebe que com os cerca de trinta e dois mil dólares anuais de salário que recebe trabalhando no armazém, não levantaria tal quantia nem que trabalhasse até o fim de sua vida.
Ouve um barulho na porta. Sua mulher entra em casa. Diabos, ele havia até esquecido da mulher, que saíra a tarde para jogar cartas e tomar chá com as amigas chatas. Sua mulher Josefine, entra sem dar muita atenção ao marido e vê a pasta aberta em cima da mesa de centro ao lado de uma lata de cerveja que esta manchando a madeira. Theo explica a situação para sua mulher que varia entre o espanto e as risadas, enquanto ele conta a história. Ao terminar ela olha alguns instantes para ele.
- Aperte logo o botão e acabe com essa palhaçada. Isso só pode ser mentira.
- E se não for?
- Então você ganha um milhão.
- E alguém morre.
- Alguém que você não conhece morre. Como você saberá se é verdade?
- Como eu saberei que não é verdade?
- Você é um caso perdido Theodore. Imagine o que faríamos com um milhão. E se é alguém que você nem conhece porque tanta preocupação?
Theo não responde e continua a olhar fixamente para o botão. Sua mulher tinha uma forma simples e objetiva de enxergar os problemas. Mas ele não queria matar ninguém. Pronto. Já estava falando em matar, e não mais em apertar a porra do botão. A tempestade desaba do lado de fora da casa.
Continuou por mais duas horas olhando para o mecanismo, quando sua mulher já em trajes de dormir, sentou-se ao seu lado. Conversaram por horas, olharam em silencio varias vezes para o botão. A chuva lá fora já havia cessado, mas a duvida ainda estava rachando o seu cérebro. Sua mulher tinha adotado a clara posição em favor de apertar o diabo do botão, mas ele ainda não havia se decidido.
Quando os primeiros raios de sol começaram a iluminar a sala pela fresta entre as cortinas, sua mulher se virou para ele.
- É a hora de tomar sua decisão Theo. Já perdemos a noite toda aqui e você tem que sair para trabalhar. Decida-se homem.
Theo tirou os olhos vermelhos de dentro da pasta e encarou a sua mulher em silencio. Eles ficaram se encarando por alguns instantes, quando ela lentamente inclinou a cabeça ainda olhando para ele. Ele se virou decidido, levantou a proteção de aço, colocou a mão por sobre o botão, respirou fundo e apertou-o. Ele desceu macio por seu curto curso e voltou. A luz vermelha imediatamente se acendeu e girou por mais ou menos 10 segundos. Então se apagou.
Os dois ficaram observando a pasta por um minuto, se encararam e começaram a rir. Eles não acreditavam que haviam perdido toda uma noite por uma besteira dessas. Demoraram quase dois minutos para parar de rir, quando em fim, já meio sem fôlego o fizeram.
A campainha tocou.
Imediatamente suas caras ficaram serias de novo. Theo fechou a pasta a pegou e foi abrir a porta. O homem vestido da mesma maneira que na noite anterior estava diante da porta. Com uma outra pasta na mão.
- Parabéns Sr. Theodore. Vejo que fez a sua escolha. Aqui está o que lhe foi prometido. – Diz isso levantando a pasta para Theodore.
Ele olha meio intrigado pegando e sua mulher já junto a ele na porta abre a valise. Muitas notas altas de dólar estão cuidadosamente empilhadas dentro da enorme pasta. Eles se viram um para o outro sem reação aparente.
- Aproveite bem o seu premio Sr. Theodore Maílson. – Diz isso pegando a pasta com o botão da mão de Theo. – Agora me devolva essa pasta. Ela será entregue a outra pessoa. Alguém que o senhor não conhece. Passar bem.
Theodore observa enquanto o homem se afasta em direção a calçada.

Em direção a alguém que ele não conhece.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Dia dos namorados...


Ah, o dia dos namorados. Que dia lindo, que dia romântico. Todos se amando.
As pessoas que estão sozinhas ficam deprimidas e as que têm alguém ficam desesperadas para comprar um presente. Eu mesmo fui vitima de um desses apaixonados que num ímpeto no transito deu uma fechada daquelas que podem ser escritas nos anais das fechadas, sem trocadilhos, como uma das mais selvagens já sofridas por um motorista de Gurgel. Eu reclamei, e ele com todo o amor que o levou a comprar o presente, cuja linda embalagem aparecia pelo vidro traseiro, me mostrou o dedo do meio e mandou eu me foder. Por isso eu digo que o amor muda as pessoas. Eu por exemplo. Quando o amor acabou eu mudei. Me mudei na verdade, para a casa dos meus pais. Sou a prova viva da mudança que esse sentimento causa.
Resolvi investigar de onde veio o dia dos namorados. Ouvi de uma jornalista que essa data vinha de uma linda história de amor. Na mesma hora pensei “Se é uma linda história de amor, então o cara se fode no final. Certeza.”. E olha só a história.
Nos EUA e na Europa o dia dos namorados é conhecido como Valentine´s Day e é comemorado no dia 14 de fevereiro. A data aqui no Brasil foi modificada por motivos comerciais, com certeza, afinal esse devia ser um mês meio morto para o comércio. Mas o caso é que ele foi criado segundo alguns em homenagem ao bispo de Terni, Valentino que em 270 a.C. desafiou o imperador romano Claudius II que proibia a realização de casamentos, pois os homens casados e noivos não queriam abandonar suas companheiras para lutar no exército. O bispo decidiu que continuaria realizando os casamentos e foi pego pelo imperador que mandou jogá-lo na masmorra e enquanto esperava por sua execução ele se apaixonou pela filha cega do carcereiro. A garota milagrosamente recuperou a visão e para se despedir dela o bispo então mandou uma carta de amor. Daí vem a expressão “From your Valentine”.
Eu não sei se eu sou insensível demais, mas eu não vi nenhuma história linda nisso. Quer dizer, a menina recuperou a visão, legal, mas e o cara. O bispo? Porra. Ele recuperou a visão da menina escreveu uma carta pra ela e mesmo depois de realizar um milagre foi executado. Onde é linda essa história? Onde? Parece mais uma história de separação atual. Mas ninguém fala “Olha que lindo. Eles se separaram e ela ficou com tudo” ou “Olha que lindo, ela recuperou a visão e ele foi executado.”. É por isso que eu digo que essas histórias são contadas para mulheres. Só elas conseguem ver beleza nisso. E o autor deve pensar “Já que os homens não gostam das histórias de amor, o mocinho vai pagar o pato em nome deles”.
Eu não consigo entender o que as mulheres vêem de lindo nessas histórias. Quer ver? Vamos pegar a história mais deprimente de todo o mundo. Essa mesma. Romeu e Julieta.
A mulher faz uma cagada, o Romeu que devia ser uma porra de um depressivo toma o veneno, e vai caindo a tempo de vê-la se mexendo. Só tem tempo de pensar “Puta que par...” e morre. Ele morre.
Aí a Julieta acorda e vê o cara morto. O que ela faz? O que toda mulher faria. Se desespera. Então ela pensa em algo genial. Tentar pegar o veneno dos lábios do Romeu. Eu não quero criticar a Julieta, não, longe de mim, mas esse é o tipo de idéia que só a patricinha poderia ter tido mesmo. Qualquer pessoa que já bebeu pelo menos um copo de água na vida sabe que a água só fica nos lábios quando a gente se baba. E isso já devia ser assim desde que inventaram os copos. Injustificável. Ela não consegue claro. E o que ela faz? Pega a espada e se mata.
Só resumindo. O tonto do Romeu se tivesse esperado mais dois minutos, veria que ela estava viva, mas ele se mata. A Julieta vendo ele morto faz o que? Se mata. E tem gente que acha essa história linda! Eu que gosto de ver sangue nas histórias fiquei horrorizado.
Quer ver outra? Alguém se lembra quem cortou o cabelo do Sansão? Que história linda. E porque o indestrutível Aquiles morreu? Alguém se lembra?
É. Sobrevivemos a mais um dia dos namorados meu amigo. Sobrevivemos ao amor das mulheres.
E eu me pergunto: Será que toda a história de amor tem que acabar assim? Com todos que assistem saindo chorando do cinema? E as mulheres achando isso tudo lindo?
É claro que sim.
E o pior. Tudo fica mais “lindo” quando o mocinho morre.
E o que torna a coisa mais perigosa? A gente não aprende e acaba sempre se apaixonando de novo.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Vozes...

Tenho apenas sete anos. Estou deitado e a casa esta em silencio. Meus pais e minha irmã estão dormindo nos cômodos da casa. Posso ouvir a ressonância vindo da cama de minha irmã.
Estou novamente sozinho.
Como acontece todas as noites, por que eu simplesmente não consigo dormir. E eu sei que elas vão aparecer hoje de novo.
Sempre que tenho dias como o de hoje elas aparecem. Dias tensos sejam eles felizes, como conversar com uma das meninas bonitas do primário, ou dias em que me meto em uma briga, das quais devido a minha mania de usar mais o pequeno e não planamente desenvolvido cérebro do que os músculos, eu invariavelmente levo a pior e volto para casa com a boca sangrando ou um talho na cabeça. Eu poderia pelo menos ser mais pacifico. Mas não foi o que aconteceu hoje. Ainda sinto o latejar próximo ao olho direito causado pela pancada que passou de raspão. Se tivesse pegado em cheio ou se não tivessem separado não me lembraria de muita coisa com certeza. Mas isso é o que basta.
Elas virão de novo essa noite.
É apenas uma questão de tempo.
Agora já sabem que eu estou sozinho, vão esperar eu baixar a guarda e sabendo que todos dormem virão até mim. Ouço um barulho de madeira rangendo e sei que a porta do sótão foi aberta.
Eu sei que é lá que elas se escondem.
E sei que é de lá que elas estão saindo. Ouço a aproximação e não tenho como evitar. Cubro a cabeça com o lençol e fecho os olhos mas é impossível tapar os ouvidos. É por isso que me refiro a elas. As vozes. Elas sempre vêm. E sempre à noite. Sempre quando sabem que eu não tenho como deixar de ouvi-las.
Eu consigo diferenciá-las, seja pelos tons ou pelo que dizem. Com o tempo eu reconheço até pelo hálito quando é uma e quando é outra. Uma das vozes é grossa, rouca e forçada com hálito fétido como o de um demônio sussurrando coisas malignas sobre vingança e acertar o filho da puta pelas costas em momentos onde ele estaria desprevenido. A outra voz é pausada, grave e lembra um mordomo inglês que eu vi em algum filme antigo, com vocabulário perfeito e erudito falando sobre aprender com a dor e coisas do gênero. Eu tentava expulsar ambos e com o tempo aprendi que se eu me concentrasse, eu conseguiria não só calá-los, mas também mandá-los de volta para o sótão de onde vieram. Nos primeiros anos isso funcionou, mas com o passar do tempo foi cada vez mais difícil, mandá-los e mantê-los presos. Agora não são mais vozes. Influenciado por livros e jogos na juventude eles ganharam forma em minha mente, apesar de nunca conseguir vê-los. Um eu imagino como um Ogro e o outro como um Elfo. Minha ex esposa dizia que eu as vezes “pensava demais” e era fácil saber quando isso acontecia porque eu me desligava do mundo e movimentava a boca como se estivesse falando. As visitas eram cada vez mais freqüentes e agora aconteciam também durante o dia.
Dias atrás eu estava conversando com um amigo meu, o Tavares, e comentei que havia começado um blog. Ele fez um breve silencio e fez uma pergunta que só alguém com a cabeça critica e analista que ele tem, que fica evidenciada sempre que ele entra em qualquer jogo de cartas ou discussão(impossivel ganhar), poderia fazer. Ele perguntou: “Por que você criou um blog?”. É o tipo de pergunta que quebra as pernas de qualquer pessoa normal. E foi o que aconteceu. Eu não soube responder.
Até que eu percebi que meus textos só fluíam durante a noite, e quanto mais sozinho eu estivesse mais forte eles vinham. Alguns simplesmente impossíveis de controlar.
É isso. Um acordo. Não precisarei dizer quais textos são assinados por quem.
Alguns o Ogro, outros o Elfo.
Fica fácil de perceber depois que você descobre quem esta por trás de tudo.
Pelo menos por mais algum tempo eu terei sossego de novo.

sábado, 9 de junho de 2007

Um drink no inferno...


Ah. Nada melhor do que uma baladinha rock pra gente recuperar a sanidade. Isso porque no meio de uma balada dessas se você não recuperar a sanidade é capaz de perdê-la de vez. Tudo começou com uma agradável noite em uma pizzaria com a companhia dos meus alunos do 3TC (classe caótica) e muitas risadas. Teve o Hoogle derrubando coca na roupa e o Thiago sentando no lugar que era pra ser do João, mesa 24. E a conta dele? 24 reais. Admita Thiago. É coincidência demais. E eu acho que coincidências não existem.
Por falar nisso, encontrei uma antiga amiga minha no MSN, a Olívia, e chamei-a pra ir comigo. E ela aceitou. Perdoe-a senhor ela não sabe o que fez. Eu imaginava que o lugar seria podre e após dar uma olhada em como ela estava vestida, acho que deslumbrante seria uma palavra afeminada, mas adequada, eu achei que a surpresa dela seria um pouco pior. E foi.
Chegamos por volta das 22:30h a tempo de ver os técnicos passando o som. A primeira vista o lugar parecia ruim, mas foi só entrarmos pra perceber que ele estava pelo menos duas categorias abaixo de ruim. Péssimo seria a outra e Chopperia Paradise a próxima. Chopperia Paradise. Que nome mais pretensioso, não? Eu acho que no máximo ela poderia se chamar chopperia Purgatory, ou Chopperia Hell talvez. Seriam nomes mais adequados, haja visto que a impressão que se tem quando se adentra o local é que você esta no meio do filme “From Dusk Till Dawn” traduzido como “Um drink no inferno”, que ilustra esse artigo. Faltaram só os vampiros.
Uma casa escura, com paredes escuras, vidros filmados na entrada e do lado esquerdo uma área para mesas (ainda bem que havia mesas no local), com um balcão para venda de petiscos (chamam-se petiscos todas as formas de comida não identificadas) e bebidas ao fundo e do lado direito uma área dividida em três partes com palco ao fundo, pista de dança (5x3m) e uma outra área com mesinhas. Escolhemos uma e sentamos. Mais uma vez obrigado Olívia. Me salvou de pelo menos duas dores de cabeça. A primeira teria sido esperar até que meu aluno, o Will, chegasse, e a segunda me livrar de uma das personagens mais bizarras da noite. Para ela poderia ser reservada uma boa parte desse artigo, mas vou tentar resumir.
Ela tinha por volta dos seus 45 anos, talvez um pouco mais, e quando chegamos ela estava sentada sozinha em uma mesa atrás de nós. A principio achei que fosse uma prostituta, sem querer dar a isso uma conotação de desprezo ou qualquer outra desmerecedora. Era apenas a atitude dela. Sozinha, com roupas apertadas, um bom corpo e um olhar caçador. Aquele que é necessário desviar para não virar pedra. É o padrão de mulher desesperada. E como. Enquanto eu contei chegou a sete o numero de vitimas. Incluindo uma que saiu com ela do ambiente e voltou depois de algum tempo. Como o cara legal que ele devia ser apresentou-a ao amigo. E ela ficou com o amigo. Caçadora, como eu disse. Aposto que voltou pra casa cheia de peles e escalpos pendurados nas mãos com ar vitorioso gritando para as paredes: “Aqui estão as oferendas. E eu passei herpes para todos eles”. Tomara que seja só herpes de boca. Ouvi dizer que o outro o das genitálias, é muito pior. Imagina se ele pega do amigo.
E como se não bastasse no final da apresentação da penúltima banda ela resolveu se sentar ao lado da Olívia, sinto muito Olívia, mas poderia ser pior, ela poderia ter se sentado ao meu lado, por exemplo, e como se fosse a coisa mais natural do mundo ela pegou a minha lata de coca que não estava acabada, mas tinha sido abandonada pelo menos duas horas antes, balançou pra verificar se tinha algo e tomou. Sim. Ela tomou o resto de coca-cola que estava na lata. Entendeu? Fim de feira. Fim da história da loira. Na verdade mesmo o fim veio quando o segurança pouco depois disso pediu que ela se retirasse por um motivo que eu infelizmente desconheço.
Havia também um casal sentado do nosso lado que era estranho. Não deveria ser na década de oitenta como foi muito bem lembrado pela minha companheira de balada furada, afinal a mulher tinha os cabelos curtos com corte masculino e umas correntes presas a roupa e o cara os cabelos longos com uma camisa aberta até o umbigo. Depois de se drogarem na mesa, com algo que eu não consegui identificar mas que poderia ser lança perfume (quem diabos se droga na balada com lança perfume???), a mulher de cabelos curtos foi dar um cola nos caras que estavam dançando na pista em frente ao palco e entrou no meio da galera mandando chutes e cotoveladas pra todo lado. Uma droga poderosa essa, eu acho.
Depois de mandar pra dentro a terceira coca-cola da noite, duas na pizzaria e uma nesse lugar hediondo, senti a necessidade de usar o banheiro. E lá fui eu. Sem medo. Até ver o local.
Ao chegar à porta do banheiro que ficava ao lado do palco eu vislumbrei uma barata. Morta. Não eu não tenho medo de baratas. Realmente não é esse o caso, pois eu até gosto da sensação que elas dão quando colocamos o nosso peso em cima das bichinhas e elas estão sob os nossos pés. Faz um PLAFT. Eu acho divertido. Mas o caso, o assustador é que essa barata estava morta. E intacta. Nada de líquido verde fluindo pelas laterais ou pequenos órgãos espalhados ao seu redor. Ela estava intacta.
Cabe a mim lembrar que as baratas são seres que vivem nos esgotos, rodeadas de merda e todo tipo de dejetos e que segundo os cientistas são um dos poucos seres que sobreviveriam a uma catástrofe nuclear. E lá estava a bichinha, morta com o olhar desesperado de quem quase alcançou a saída de um lugar que deveria ser pior do que o próprio inferno. O cheiro que vinha de dentro dizia que poderia ser mesmo. Então pensei “Se a barata que tem todos esses atributos não sobreviveu ao banheiro, que chance eu teria?”. Mas quem me conhece sabe que eu não conheço o medo. Não se estiver prestes a urinar três latas de coca nas próprias calças. Cabeça erguida e olhar desesperado entrei no quartinho.
As paredes eram de um preto que não se consegue nem em experiências cientificas com fungos. Acredito que aquele lugar fosse mais antigo e usado do que qualquer outro no Brasil. Deve ter sido construído pelos portugueses que descobriram a Freguesia do Ó com tanto lugar bom pra descobrirem.
Havia um bêbado que também não conseguiu chegar à privada e estava caído muito próximo a seu liquido biliatico amarelado com alguns poucos mililitros de bebida alcoólica. Todo o resto já devia ter sido absorvido pelo sangue a julgar o rosto sem expressão do sujeito. E ele já estava sendo absorvido pela parede de fungos, tal e qual o navio de Davy Jones no filme Piratas do Caribe. Uma cena nauseante. Um pouco a frente e atrás de uma parede estavam dois banheiros sem porta (talvez um dia eles tivessem uma) e um mictório que deixa os tais odiados de alumínio no chinelo. Acredite. Era uma construção imitando (acredite imitando) aquele instrumento de torturas de alumínio com uma base de pelo menos 20 centímetros. Quer dizer, para que a urina conseguisse atingir o fundo do tal mictório seria necessário que ela viajasse por pelo menos vinte centímetros. E qual homem não consegue isso? Pelo menos após a terceira lata seria possível talvez atingir um apartamento que estivesse no segundo andar de um prédio. E possivelmente o teto. Mas e quando a pressão diminuísse? O que aconteceria? Se você consegue imaginar isso entenderá o estado do local. Eu obviamente optei por um dos pequenos banheiros sem porta. A única dificuldade que tive foi a de manter o equilíbrio. Sim, pois o chão estava com urina até quase um centímetro e os meus pés ficavam insistindo em ir um para cada lado. A única coisa que me manteve na posição vertical foi o desespero de me imaginar caído naquele chão e a parede tentando me absorver. Eu me tornaria parte dos fungos e ninguém jamais saberia o que aconteceu comigo. Um destino triste. Não me rendi e mantive o equilíbrio mesmo na hora de fechar o zíper. Tarefa árdua essa.
Pobre da Olívia que desanimou só de ver uma barata morta no feminino.
Assistimos quatro bandas antes da banda do Will tocar. Uma pior do que a outra, exceto talvez por uma chamada “Made 23”, que era composta na maioria por mulheres. Essa tocou Evanescence como poucos. Realmente muito bom. E até arranhou um Rage against que ficou bem boazinha. Mas as outras três bandas, meu Deus. Muito ruins. Mesmo. Nem esforçadas era cabível para duas delas. Esperamos até a entrada da banda do Will,a ironia SP, que quando entrou mostrou pra que veio e fez valer a pena a espera e o lugar. Talvez não o banheiro, mas todo o resto com certeza. Virei fã do cara. Eu duvido que ele veja isso, mas se ver, parabéns irmão, acho que você nasceu pra isso.
Após o show (um pouco antes do fim na verdade) fechamos a noite com um papo muito legal, que é a grande vantagem de sair com pessoas como a Olívia, que tem a rara mistura de beleza, inteligência e um senso de humor dos melhores, e um café da manhã muito bom na Dona Deola, uma padaria, que fica na rua Cerro Cora no alto da Lapa.
Algumas noites a gente não esquece por que a balada é ruim e outras a gente não esquece por que ela é boa.
Essa eu não vou esquecer pelos dois motivos.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Visita...


A casa finalmente estava aquecida. Depois de longo inverno e de muitas provações o calor estava novamente presente a casa. Um calor artificial, providenciado através do fogo, afinal o inverno ainda não tinha acabado, mas já deveria estar no fim. A porta que havia quebrado foi arrumada, de forma tosca é verdade, mas estava barrando o frio, a lareira que ficou apagada por muito tempo foi acesa, e finalmente o sótão estava quase em ordem. É difícil consertarmos as coisas que quebram em tempos difíceis. Ou não temos cabeça, ou não temos animo. Ainda mais pra coisas internas. Os amigos tentam nos ajudar, mas a nossa casa deve ser consertada com nossas próprias mãos.
Mas o frio lá fora persiste e o frio como todos sabem age de uma forma estranha nos seres humanos. Eu não sei, algo liberado pelo sistema nervoso que fecha os poros e abre o coração. Ficamos carentes. E uma pessoa carente é uma pessoa descontrolada. Pessoas descontroladas são perigosas. Pra si mesmas e para os outros. Principalmente para os outros.
E foi isso o que aconteceu. Uma visita, que não era, mas se tornou, afetada talvez pelo frio sofrendo a síndrome da carência que não se importa com os outros, decidiu entrar na casa. Em um momento de distração do morador ela entrou como pode, danificando a porta já consertada e derrubando as pilhas de caixas tão cuidadosamente empilhadas no sótão. A principio ele não ligou, pois parecia que o inverno finalmente acabara, mas escutando tudo o que ela falava ele se deu conta de que fora uma vitima do persistente inverno. A visita elogiou a casa quente e disse que durante a sua ausência tudo tinha ficado melhor naquele ambiente e que isso era inegável. A casa estava quente, aconchegante e arrumada, como estava quando ela havia entrado pela primeira vez. E que apesar de tudo, apesar da saudades de morar naquele lugar, ela preferia continuar onde estava. Uma decisão só dela, que por algum motivo ela achou que deveria contar.
E foi embora novamente.
E levou o calor.
E bagunçou mesmo sem intenção o sótão.
E quebrou novamente a porta.
E quase apagou a lareira.
O morador, já desanimado olha para o que sobrou de tudo o que tinha feito e percebe que algumas coisas não estavam a contento. A porta apesar de barrar as outras pessoas, não barrou a essa visita. O sótão estava com muitas coisas que deveriam ter sido jogadas fora e não empilhadas, mesmo que cuidadosamente. E o calor voltaria assim que ele concluísse as coisas que deveria fazer. Ao invés de se ajoelhar e reclamar da bagunça, dessa vez ele decidiu começar mais cedo o que tinha pra fazer. Quanto mais se lamentasse, mais fria estaria a casinha. E a lareira poderia apagar novamente.
Uma coisa boa dos longos invernos é essa.
Você acaba percebendo que suporta muito mais frio do que acreditava ser possível.
A foto é uma pintura de NELY AFFONSO RODEGHIERO entitulada Casa da Neve.

domingo, 3 de junho de 2007

Teste de qualidade nas baladas - banheiros


Não sei. Podem dizer o que quiserem. Mas eu fiquei exigente. Só pra se ter uma vaga idéia do meu nível de exigência eu escolho a balada até pelo banheiro.
Acredite, pelo banheiro. Tudo bem, eu sei que tem gente lendo isso e pensando “O cara deve ter ficado louco, só falta agora tentar justificar”. E como eu não gosto de decepcionar aqueles que têm essa imensa fé em mim é exatamente isso que eu vou fazer. E vou fazer além. Vou justificar através de um paralelo traçado a partir da minha altura.
Não. Se você acha que eu enlouqueci é porque não tem a minha altura. Diz um amigo meu, o Rogério, que eu sofro de um metro e sessenta. Obrigado Rogério. Eu ainda não encarava isso como doença.
Existem casas que ainda insistem em manter banheiros masculinos com aqueles irritantes mictórios de alumínio. Dá pra acreditar nisso. Como assim o que tem isso? Pra fazer esse tipo de pergunta você deve ser mulher. Ou ter o maior pinto da face da terra. E uma coisa que eu sei é que não importa o quanto você seja bom em alguma coisa, tem sempre alguém melhor. Ou maior. Digo isso porque nenhum outro ambiente no planeta é tão hostil ou competitivo para os homens como esse.
Pra você que não tem idéia do que eu estou falando (provavelmente por que você não tem pinto), imagine uma cena de varias vacas se alimentando no curral. Elas têm os corpos atrás da cerca e somente a cabeça entre as grades, todas disputando um lugar, ombro a ombro. Parece a mesma coisa, só que as vaquinhas não ficam olhando umas pras outras pra ver quem tem o maior pescoço. É muito difícil conseguir mijar sob tanta pressão. E não é só isso. Fica uma fila de caras meio bêbados atrás de você esperando pra eliminar do corpo todos os copos de cerveja que foram ingeridos durante o decorrer da noite, e se você por um azar do destino começa a pensar sobre o ambiente em que você se encontra toda a competição e a pressão dos que aguardam a sua vez, esses fatores podem impedir a passagem da urina. E aí a coisa piora. Os caras do lado ainda pensam, o que adianta ter uma ferramenta se ela não funciona bem. As coisas são complicadas para os homens. São sim.
Mas esse não é o principal motivo da minha bronca e também não tem nada a ver com a altura até aqui. Sim, por que a mulher que já saiu com mais de um cara sabe que a altura não tem influencia sobre o tamanho do membro. Senão os anões estariam totalmente fodidos. A natureza já foi extremamente filha da puta com eles, imagina se eles ainda tivessem a fama dos orientais. O índice de suicídio entre anões seria gigantesco. Não. Ainda não é isso.
Imagine a seguinte cena (se for mulher imagine também, e por alguns breves e deliciosos segundos o trauma de vocês de não ter pinto será esquecido), você entra na fila para o banheiro e espera a sua vez. Quando ela chega tem um cara de 1,95m de um lado e logo que abre o espaço pra mais alguém do seu outro lado vem outro cara superando a marca de 1,90m, ombro a ombro. Tudo bem. Ombro a cotovelo. O mictório, eu já descrevi, é de alumínio e não tem água correndo o tempo todo. Para o desgraçado que esta numa balada decidir usar o banheiro ele tem que estar muito desesperado e, portanto a bexiga já esta comprimida e não suporta mais o acumulo de líquidos, ou seja, quando ele dá a vazão a coisa, o liquido sai em uma velocidade alta e tem um forte impacto com o alumínio. Pra eles foda-se né? Eles estão a uma distancia segura da superfície que faz questão de espirrar a maldita urina para todos os lados.
Mas e o baixinho? E o baixinho? Alias, eu às vezes sou inclinado a pensar que o engenheiro devia odiar algum cara baixo e projetou esse trambolho pra ferrar com as pessoas de baixa estatura mesmo. E pode acreditar, ferrou. Da vontade de num ímpeto virar para o lado dando vazão a imensa quantidade de liquido e mijar nos caras altos que estão ao lado gritando “Tomem isso miseráveis. Vejam se gostam.”. Talvez eu faça isso da próxima vez. Se não houver mais textos nos próximos dias, você já sabe o que aconteceu.

sábado, 2 de junho de 2007

A difícil vida de solteiro

Semana passada eu estava em uma baladinha rock (muito boa, aliás) em uma casa chamada Enfarta Madalena. Ambiente interessante, meio gótico, com correntes como corrimão e vela derretida nos pilares das escadas. Muita gente bonita também.
Como alguns sabem eu me tornei um solteiro em dezembro ultimo e ainda (acredite... ainda) não fiquei com ninguém. Falta de competência ou de vontade, não sei dizer. Acredito na falta de competência. Plena.
Se já era difícil antes, quando eu tinha a tenra idade da adolescência, o que aconteceu a vários anos luz, agora então a coisa ficou muito mais complicada.
Primeiro ponto a ser avaliado: A idade.
Estou em uma idade que é horrorosa. As mulheres ou são muito novas ou são muito maduras. As que estão no ponto pra mim, ou estão casadas ou são inacessíveis de outras formas diversas como as lésbicas, as bêbadas (que tem como esporte vomitar nas pessoas), e as difíceis. A verdade seja dita que as difíceis são a franca minoria. Mulher nenhuma é difícil nessa idade. Elas se dão por satisfeitas se alguém falar com elas durante a noite. Nem que seja pra perguntar as horas.
Segundo ponto a ser avaliado: Os amigos.
Impressionante como os amigos não podem te ver solteiro. Eles querem que você esteja com alguém. Não. Eles exigem que você esteja com alguém. Aparentemente o cara que chega em uma festa sozinho e vai embora pra casa sozinho é um fracassado. Cuidado. Você pode perder os seus amigos se continuar com essa idéia tola de permanecer sozinho. Ninguém gosta de fracassados.
Juntando os dois primeiros pontos então chegamos a situação em que me encontrei no ultimo fim de semana. Uma garota, uma das bonitas, não tirava os olhos de mim. Passou por mim pelo menos seis vezes e a cada vez era uma olhada desperdiçada na minha direção. Os meus amigos estavam juntos. Pronto. Estava montada a receita para o escárnio.
- Vai lá. Quem sabe você não sai com alguém daqui essa noite. – Disse um dos sábios profetas do amor.
- A garota esta a fim. Essa já é sua. Vai nessa – Em couro uníssono os demais.
Para quem esta de fora parece que os amigos estão dando uma força e querem o seu bem, mas para quem está ouvindo as palavras que chegam aos martelos e bigornas dentro dos ouvidos e são analisadas no cérebro dizem o seguinte: - Vai até lá. Nós estamos todos observando você. Vê se não vai dar mancada.
Não tem jeito. É muita pressão. É como atuar em um filme pornô com uma atriz feia com o diretor gritando atrás da sua bunda descoberta e peluda a mostra: - Vai, endurece mais. A câmera ta filmando e ele ta meia bomba.
É difícil.
Mas eu fui. Vamos a ela. Afinal não tem o que possa dar errado. Ela estava olhando, todos viram. Fui até atrás dela e perguntei:
- Qual o seu nome?
- Gabriela. – Ela respondeu. Quer dizer; inacreditável. Ela realmente respondeu.
- Olá Gabriela. Estava te observando...
- O meu namorado esta no banheiro.
Eu deveria ter respondido alguma coisa. Qualquer coisa. Mas que tipo de resposta existe pra isso? Eu primeiro fiquei preocupado com o pseudo-namorado. Se ele estivesse realmente no banheiro ele estava em maus lençóis, porque eu não agüentei ficar nem cinco minutos dentro daquela sala que aprecia uma ante câmera para o inferno, imagina o cara que estava lá a pelo menos quarenta minutos. E deve estar lá até agora, porque até onde eu vi, ela continuou sozinha. Entende? Sozinha. Sem ninguém. Ela preferiu realmente ficar sozinha a me dar cinco minutos de atenção. E virou para a amiga. Foi aí que eu lembrei. Meus amigos.
Pelo menos quando me virei todos eles fingiram que não tinham visto nada. Faz parte do código de honra dos homens. Eu sei que eles só irão me sacanear em relação a esse fato no próximo final de semana. Melhor assim. Mas eu fiquei preocupado e fui até o banheiro para ver se não havia crescido uma verruga daquelas com cabelos que insistem em ficar encarando as pessoas. Não tinha nada. Nada no meu rosto e, aliás, nada no banheiro também. Nem ninguém. Chamem o resgate, o namorado da Gabriela entrou pelo cano.As coisas ao que parece mudaram um pouco desde que eu sai desse mundo da solteirisse. As mulheres quando olham agora, não querem nada. Ou talvez eu estivesse vestido de forma engraçada com calças vermelhas e blusa verde. Pode ter sido essa a razão também. E da próxima vez eu tentarei com uma garota menos estrábica. Acredito que o risco seja menor assim.