segunda-feira, 11 de junho de 2007

Vozes...

Tenho apenas sete anos. Estou deitado e a casa esta em silencio. Meus pais e minha irmã estão dormindo nos cômodos da casa. Posso ouvir a ressonância vindo da cama de minha irmã.
Estou novamente sozinho.
Como acontece todas as noites, por que eu simplesmente não consigo dormir. E eu sei que elas vão aparecer hoje de novo.
Sempre que tenho dias como o de hoje elas aparecem. Dias tensos sejam eles felizes, como conversar com uma das meninas bonitas do primário, ou dias em que me meto em uma briga, das quais devido a minha mania de usar mais o pequeno e não planamente desenvolvido cérebro do que os músculos, eu invariavelmente levo a pior e volto para casa com a boca sangrando ou um talho na cabeça. Eu poderia pelo menos ser mais pacifico. Mas não foi o que aconteceu hoje. Ainda sinto o latejar próximo ao olho direito causado pela pancada que passou de raspão. Se tivesse pegado em cheio ou se não tivessem separado não me lembraria de muita coisa com certeza. Mas isso é o que basta.
Elas virão de novo essa noite.
É apenas uma questão de tempo.
Agora já sabem que eu estou sozinho, vão esperar eu baixar a guarda e sabendo que todos dormem virão até mim. Ouço um barulho de madeira rangendo e sei que a porta do sótão foi aberta.
Eu sei que é lá que elas se escondem.
E sei que é de lá que elas estão saindo. Ouço a aproximação e não tenho como evitar. Cubro a cabeça com o lençol e fecho os olhos mas é impossível tapar os ouvidos. É por isso que me refiro a elas. As vozes. Elas sempre vêm. E sempre à noite. Sempre quando sabem que eu não tenho como deixar de ouvi-las.
Eu consigo diferenciá-las, seja pelos tons ou pelo que dizem. Com o tempo eu reconheço até pelo hálito quando é uma e quando é outra. Uma das vozes é grossa, rouca e forçada com hálito fétido como o de um demônio sussurrando coisas malignas sobre vingança e acertar o filho da puta pelas costas em momentos onde ele estaria desprevenido. A outra voz é pausada, grave e lembra um mordomo inglês que eu vi em algum filme antigo, com vocabulário perfeito e erudito falando sobre aprender com a dor e coisas do gênero. Eu tentava expulsar ambos e com o tempo aprendi que se eu me concentrasse, eu conseguiria não só calá-los, mas também mandá-los de volta para o sótão de onde vieram. Nos primeiros anos isso funcionou, mas com o passar do tempo foi cada vez mais difícil, mandá-los e mantê-los presos. Agora não são mais vozes. Influenciado por livros e jogos na juventude eles ganharam forma em minha mente, apesar de nunca conseguir vê-los. Um eu imagino como um Ogro e o outro como um Elfo. Minha ex esposa dizia que eu as vezes “pensava demais” e era fácil saber quando isso acontecia porque eu me desligava do mundo e movimentava a boca como se estivesse falando. As visitas eram cada vez mais freqüentes e agora aconteciam também durante o dia.
Dias atrás eu estava conversando com um amigo meu, o Tavares, e comentei que havia começado um blog. Ele fez um breve silencio e fez uma pergunta que só alguém com a cabeça critica e analista que ele tem, que fica evidenciada sempre que ele entra em qualquer jogo de cartas ou discussão(impossivel ganhar), poderia fazer. Ele perguntou: “Por que você criou um blog?”. É o tipo de pergunta que quebra as pernas de qualquer pessoa normal. E foi o que aconteceu. Eu não soube responder.
Até que eu percebi que meus textos só fluíam durante a noite, e quanto mais sozinho eu estivesse mais forte eles vinham. Alguns simplesmente impossíveis de controlar.
É isso. Um acordo. Não precisarei dizer quais textos são assinados por quem.
Alguns o Ogro, outros o Elfo.
Fica fácil de perceber depois que você descobre quem esta por trás de tudo.
Pelo menos por mais algum tempo eu terei sossego de novo.

2 comentários:

Gleyciely MoraEs disse...

Vc merece aplausosssssss..... que texto maravilhoso.
Parabéns!!!
Sua fã Nº 1

Gleyciely Morais

Dejeve Cetier disse...

brigas, vozes, impulsos, heterônimos

ótimo, agora a coisa vai esquentar