quarta-feira, 20 de junho de 2007

Decisões...

O relógio da parede da sala acabara de marcar oito horas da noite. Theodore Maílson, aproximadamente 45 anos, estava sozinho em casa na sala escura, sentado, meio jogado, no sofá, em frente à televisão. Ele tinha em uma das mãos uma lata de cerveja e na outra o controle remoto e tinha passado os últimos cinco minutos exercitando o dedo sobre os botões de troca de canal. Usava sua velha e preferida camiseta regata branca que apresentava manchas de suor nas áreas próximas as axilas e de cerveja na área que apertava a sua protuberância abdominal.
Lá fora o ar pesado que precede uma tempestade de verão dominava o ambiente e deixava tudo com ar mais melancólico, com a sensação de pequeneza que sentimos quando esse tipo de tempestade se aproxima.
Ele solta um suspiro que faz mais barulho do que devia mostrando um cara que estava francamente entediado com essa noite.
A campainha toca, ele encosta a cerveja na mesa de centro e se levanta, puxando a cueca com a mão esquerda de dentro da bunda, meio bravo por ter de deixar a confortável posição que tinha conseguido no sofá, xingando mentalmente a sua esposa por ter esquecido a porra das chaves em casa. Ele abre a porta com cara amarrada e encontra uma figura de quase dois metros de altura com chapéu preto como aqueles usados nos anos sessenta pelo gangsters, mas com as abas um pouco maiores, abaixado escondendo um pouco os olhos com uma mão segurando para que não voasse devido aos fortes ventos, um sobretudo preto com a parte de baixo balançando contra o vento protegendo boa parte do traje social que usava por baixo. O homem diante de Thed, como era chamado pelos mais íntimos, levanta devagar a aba do chapéu e o encara.
- Uma boa noite para o senhor.
- Para você também. – Responde Thed com um ar meio desconfiado.
- O senhor foi escolhido para receber um presente especial Sr. Theodore.
- Em primeiro lugar, eu não quero comprar nada. Nem bíblias, nem aspiradores de pó e nem produtos “mágicos”. Em segundo lugar eu quero saber como diabos sabe o meu nome?
- Como eu sei o seu nome é algo que não lhe importa Sr. Theodore. O que lhe importa é saber que eu lhe trago algo que pode mudar a sua vida. E eu não venho lhe vender nada.
Theo cansado de receber os insistentes vendedores na porta de sua casa, sabia que não adiantaria insistir com esse e resolve que dará aquela conversa por finalizada, puxando a porta para fechá-la. Antes da porta bater o pé do homem impede que a porta finalize o seu percurso e empurra-a para a posição de aberta de novo. O suposto vendedor agarra Theo pela gola, demonstrando ainda mais força do que aparentava. Sem mudar o tom que usara para lhe falar ele continua.
- Escute Sr. Theodore e escute bem o que tenho a lhe dizer. Esta pasta contém um mecanismo que só pode ser acionado pelo Senhor. Caso resolva apertar o botão que está aqui dentro eu volto para lhe trazer um milhão de dólares. O senhor entende o que estou lhe dizendo?
Theodore balança a cabeça com olhar assustado, aumentando ainda mais a mancha embaixo das axilas. O homem lhe solta devagar e ajeita a sua camiseta.
- Ótimo. Se apertar o botão eu lhe trago a quantia prometida. Mas antes de fazer isso o senhor precisa entender que existe um, porém. Quando fizer isso, alguém que o senhor não conhece morrerá.
- Espere, um pouco. – Diz Theodore se recompondo do susto e ajeitando ele mesmo a camisa agora um pouco mais larga em volta do pescoço. – Você esta me dizendo que se eu apertar a merda do botão que você diz que está aqui dentro dessa pasta, eu ganharei um milhão de dólares, e uma pessoa que eu não conheço morrerá?
- Exatamente. Isso é bom, vejo que o senhor entendeu perfeitamente. Mas somente o senhor pode apertar. Para mostrar que funcionou uma lâmpada vermelha se acenderá ao lado do botão. Você tem até o amanhecer para se decidir. Boa sorte em sua decisão Sr. Theodore.
O homem lhe entrega a pasta volta a abaixar o chapéu e sai em direção a calçada por onde se distancia a pé da casa. Ainda sem entender bem o que aconteceu Theo fecha a porta e volta para o sofá, onde se senta de uma vez e encosta a pasta na mesa de centro ao lado da lata de cerveja. Ele abre a pasta e verifica que em seu interior como o homem havia dito, se encontra um mecanismo, com um botão vermelho protegido por uma pequena estrutura de aço parecida com uma mini-gaiola ao lado de uma lâmpada vermelha. Ele estuda por pelo menos dez minutos o mecanismo e decide levantar a proteção metálica. Ela se desloca facilmente. Ele toca o botão. Tira a mão e decide por colocar de volta no lugar a pequena gaiola de aço.
Por mais uma hora ele fica olhando para o botão imaginando se isso não se trata de apenas uma pegadinha, dessas que fazem na televisão, onde deixam as pessoas em situação difícil para se divertir as suas custas. Ele calcula também em quanto tempo ele demoraria a levantar toda a grana que o homem prometera caso ele apertasse o maldito botão, e percebe que com os cerca de trinta e dois mil dólares anuais de salário que recebe trabalhando no armazém, não levantaria tal quantia nem que trabalhasse até o fim de sua vida.
Ouve um barulho na porta. Sua mulher entra em casa. Diabos, ele havia até esquecido da mulher, que saíra a tarde para jogar cartas e tomar chá com as amigas chatas. Sua mulher Josefine, entra sem dar muita atenção ao marido e vê a pasta aberta em cima da mesa de centro ao lado de uma lata de cerveja que esta manchando a madeira. Theo explica a situação para sua mulher que varia entre o espanto e as risadas, enquanto ele conta a história. Ao terminar ela olha alguns instantes para ele.
- Aperte logo o botão e acabe com essa palhaçada. Isso só pode ser mentira.
- E se não for?
- Então você ganha um milhão.
- E alguém morre.
- Alguém que você não conhece morre. Como você saberá se é verdade?
- Como eu saberei que não é verdade?
- Você é um caso perdido Theodore. Imagine o que faríamos com um milhão. E se é alguém que você nem conhece porque tanta preocupação?
Theo não responde e continua a olhar fixamente para o botão. Sua mulher tinha uma forma simples e objetiva de enxergar os problemas. Mas ele não queria matar ninguém. Pronto. Já estava falando em matar, e não mais em apertar a porra do botão. A tempestade desaba do lado de fora da casa.
Continuou por mais duas horas olhando para o mecanismo, quando sua mulher já em trajes de dormir, sentou-se ao seu lado. Conversaram por horas, olharam em silencio varias vezes para o botão. A chuva lá fora já havia cessado, mas a duvida ainda estava rachando o seu cérebro. Sua mulher tinha adotado a clara posição em favor de apertar o diabo do botão, mas ele ainda não havia se decidido.
Quando os primeiros raios de sol começaram a iluminar a sala pela fresta entre as cortinas, sua mulher se virou para ele.
- É a hora de tomar sua decisão Theo. Já perdemos a noite toda aqui e você tem que sair para trabalhar. Decida-se homem.
Theo tirou os olhos vermelhos de dentro da pasta e encarou a sua mulher em silencio. Eles ficaram se encarando por alguns instantes, quando ela lentamente inclinou a cabeça ainda olhando para ele. Ele se virou decidido, levantou a proteção de aço, colocou a mão por sobre o botão, respirou fundo e apertou-o. Ele desceu macio por seu curto curso e voltou. A luz vermelha imediatamente se acendeu e girou por mais ou menos 10 segundos. Então se apagou.
Os dois ficaram observando a pasta por um minuto, se encararam e começaram a rir. Eles não acreditavam que haviam perdido toda uma noite por uma besteira dessas. Demoraram quase dois minutos para parar de rir, quando em fim, já meio sem fôlego o fizeram.
A campainha tocou.
Imediatamente suas caras ficaram serias de novo. Theo fechou a pasta a pegou e foi abrir a porta. O homem vestido da mesma maneira que na noite anterior estava diante da porta. Com uma outra pasta na mão.
- Parabéns Sr. Theodore. Vejo que fez a sua escolha. Aqui está o que lhe foi prometido. – Diz isso levantando a pasta para Theodore.
Ele olha meio intrigado pegando e sua mulher já junto a ele na porta abre a valise. Muitas notas altas de dólar estão cuidadosamente empilhadas dentro da enorme pasta. Eles se viram um para o outro sem reação aparente.
- Aproveite bem o seu premio Sr. Theodore Maílson. – Diz isso pegando a pasta com o botão da mão de Theo. – Agora me devolva essa pasta. Ela será entregue a outra pessoa. Alguém que o senhor não conhece. Passar bem.
Theodore observa enquanto o homem se afasta em direção a calçada.

Em direção a alguém que ele não conhece.

Um comentário:

Dejeve Cetier disse...

estilo bem stephen, hein? =D
achei q o final seria mais surpreendente @_@
mas um bom texto ;D
nao pare de escrever! =D