Durante a viagem em direção ao local do show ele entra em atrito com membros da outra banda e quase começa ali uma briga. Bêbados são invencíveis, segundo a lenda. O vocalista parece um pouco preocupado. Além do ébrio estado do baterista, o guitarrista e o baixista ainda não chegaram. Eles moram longe. Quase tão longe quanto Santana do Parnaíba, já ouviu falar?
Os pagantes começam a entrar enquanto os músicos afinam os instrumentos.
Os músicos de outras bandas, claro. O baterista sumiu. Deve ter ido a um bar para beber mais um pouco.
Resolvi dar uma volta pelo estabelecimento. Do tamanho de duas salas de aula (medida padrão para professores bitolados), o minúsculo bar é dividido em dois andares: o térreo e o inferior, onde tem uma mesa de sinuca, os famosos sofás, que um dia, antes das manchas de líquidos inomináveis, tiveram uma cor e talvez fossem azuis e os banheiros. Todos sabem que eu conheço o nível de uma casa pelo banheiro que ela acomoda. Essa não tinha luz no banheiro. Me enganaram. Mas mesmo no escuro a coisa era feia. E pintado de preto ainda. Ou seria apenas mofo? Achei melhor subir para uma das mesinhas espalhadas pelo andar térreo e esperar o show começar.
O vocalista, Will, sim o mesmo do artigo “Um drink no inferno...”, ocupa uma mesa próxima a nossa e resolve começar a escrever a playlist. Agora? É. Mas ele desiste no meio, pois terá que fazer uma para cada integrante, e o baterista, com certeza, não conseguirá ler. Afinal nem era um rótulo de cachaça. “Na hora a gente vê. Eles ainda nem chegaram.”.
Quando o relógio marcou onze em ponto, um cara do bar, chegou perto do vocalista e disse: “Vocês tem que entrar agora, mesmo. Eu vou ao banheiro e quando voltar vocês tem que estar em cima do palco.” .
E agora? Foi quando o Will avistou o guitarrista e o baixista entrando, sem camisa junto com o baterista. Com exceção do próprio Will e do baixista, esse, um professor de Geografia, os outros estavam completamente bêbados. Confesso que fiquei preocupado e previ o vexame. Seriam notas erradas, com deslizes e talvez, sendo um pouco apocalíptico até jatos de vômito no palco.
Eles se posicionaram, sem afinar os instrumentos, pediram um guitarrista de outra banda emprestado, um cara chamado Guilherme (toca muito), e começaram o show. A cada música terminada, uma virada do vocalista e o pedido de nova música. E assim foram. Uma a uma.
Eu não sei como eles fazem isso. Devem ser os poderes dos deuses do rock. É a mesma coisa do Ozzy. Ele não consegue nem falar direito, por conta de tanta droga nos idos anos, mas quando ele pega o microfone, se transforma. Incrível.
Aconteceu à mesma coisa a eles. Tocaram muito. Muito mesmo. Não erraram nada. E o Will, pra variar, cantou demais.
Estou ficando famoso no submundo das bandas de rock. Ganhei um outro agradecimento, além do Kurt na semana passada. O Will mandou um agradecimento ao professor “from hell”. Valeu Will.
Show bem sucedido e banda normalmente alcoolizada. De novo, nem andavam em pé direito. Tudo dentro da mais perfeita normalidade.
A outra banda a tocar, também tinha um ex-aluno meu, o Rafa, que arrebentou no teclado. E que banda. BlackSnake. Segundo o Rafa, apenas dois ensaios separaram eles do show. Inacreditável.
Perdi algumas partes do show por conta do baterista bêbado, mas com memória absolutamente incrível, que gritava a cada beijo que eu dava em minha namorada “Aeeeeeeee professor!!”. Ele lembrou que eu estava no ultimo show, que eu estava com ela, e que ainda não estávamos namorando. Álcool acaba com os neurônios? De jeito nenhum. Acho que na verdade conserva-os.
Uma noite excelente com shows excelentes, que acabou com uma carona para um rockstar.
A cada dia eu fico mais feliz por ser professor e ter a oportunidade de conhecer gente assim como o Will, seus amigos e o Rafa.
Pena só, eu não ser professor de música.
Quem sabe um dia agente de bandas de rock, pelo menos?
Nas fotos - Ironia SP e Rafa